quarta-feira, 7 de julho de 2010

Mar: fim

E caminhavam calmamente por entre as veredas da noite. Nada diziam. Apenas trilhavam lado a lado como se nem conhecidos fossem e sim meros companheiros de caminhada.
Em determinado momento se despediram. Nenhum sabia qual era o terminal de chegada do outro. Ela continuou. A finalidade de tudo aquilo era desconhecida. Onde haveria de chegar/desembarcar? A noite estava linda e muito sugestiva. Dava até para ouvir os sons mais discretos, como o da respiração, por exemplo.
Parecia não haver nada que pudesse modificar o estado de serenidade da noite. Ela empenhava-se naquela caminhada sem qualquer intento, mas que dizia muito.
E de repente, sem que pudesse imaginar, deparou-se com o mar. Ah, o mar! Quão deslumbrante estava. Em seus lábios um sorriso surgiu. A noite, que já aparentava perfeição, fez-se extraordinária. Sentou-se diante de toda aquela imensidão de água e pôs-se a contemplar, como se quisesse, de alguma forma, manter contato.
Começou a se sentir impelida a entrar. O mar estava convidativo, já não existia mais qualquer forma de negação. Ela levantou-se e despiu-se. Nada impedia, não havia pudor. Só três personagens compartilhavam daquele mesmo momento: ela, o mar e a noite.
Aos poucos, todas as peças de roupa foram sendo amontoadas por cima dos milhares de grãos de areia e ela começou a direcionar os passos por mar adentro.
Outra vez a sensação de que nada mais poderia alterar aquele momento. Ali ela estava entregue aos diversos sentimentos e sensações da noite e o mar, aparentemente tão belo, doava-se.
Não havia qualquer possibilidade de desconfiança, mas era necessário. Tudo era muito perfeito, não poderia ser real. Ali havia incontáveis perigos, embora não explícitos. O mar era vil, era traiçoeiro.
Como não poderia imaginar, ela continuou a caminhar em direção ao mar e cada vez mais a água atingia uma parte mais alta de seu corpo.
Inefáveis sensações percorriam-lhe o ser, os pensamentos, as ideias, à medida que a água lhe tocava, e como esse movimento era extremamente lento, era possível desfrutar inteiramente de cada uma delas.
Cada vez mais a água se aproximava do ponto mais elevado de seu corpo. Quando este movimento aconteceu por completo, tornou oculto aquele corpo entregue. Não se tinha mais noção qualquer do lugar que ele poderia estar ocupando. Onde haveria de estar? Impossível saber.
O convite foi feito e prontamente aceito. Não se sabia ao certo o que havia por trás. Agora se sabe. A ruína acompanhava sorrateiramente a tentadora oferta. E o triste fim se apresentou sem qualquer comiseração.

Um comentário:

  1. Foi ela vítima de hipnose, do desejo impulsivo ou da rasteira das águas do Atlântico?

    A noite estava muito sugestiva? Então o convite para esse fim é tão doce assim?

    Bom, fiquei muito surpreso, primeiro que não esperava isso da autora (rs) e segundo porque nada me indicava que teria esse fim. Adorei a descrição do mar e da praia/areia.

    E essa mulher parece a impulsividade em pessoa!!!

    Muito bom.

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