domingo, 10 de julho de 2011

Viver e saber significar

Engraçado. Às vezes acordo com um pensamento fortemente pessimista a respeito da vida; outras vezes o otimismo sobre a minha existência é tão significativo que influi diretamente no positivo desenrolar das diversas áreas em que ela é dividida. De repente me pergunto por que isso acontece; por que essa discrepância de visões a respeito de uma vida que é única - que é a minha vida! -, em espaço de tempo tão curto.
Que diversos fatores influem, é fato, mas há um que merece destaque. Nos dias em que acordo com posições definidas, com a mente calma e com as conceituações certas, tudo caminha mais facilmente. É indispensável atribuir o justo significado que as coisas merecem; um significado livre de deturpações, livre de pesados julgamentos, livre daquela carga particular que faz com que consideremos tudo na nossa existência um grande fardo.
O problema é que quase nunca conseguimos ver as coisas desse modo. São raros os momentos em que nos encontramos em um estado desvinculado da parcialidade. Quase sempre vemos as coisas em primeira pessoa, passando a desferir julgamentos precipitados, concebendo a vida como um grande emaranhado, colocando-nos na posição de malfadados.
Cometemos esse erro constantemente com as palavras. Um bom exemplo é a palavra gratidão. A torto e a direito nos dispomos a falar de gratidão e de ingratidão, sem qualquer competência e sem, sequer, possuir o domínio do que estamos dizendo. Constantemente afirmamos que alguém foi ingrato conosco e passamos a nutrir certo sentimento negativo pela pessoa, compreendendo que essa é a melhor atitude do mundo, que estamos no nosso direito. Pergunto-me: sabemos o real significado da palavra gratidão?, afinal, isso é pressuposto indispensável à compreensão do sentido de ingratidão.
De acordo com Domingos Paschoal Cegalla, gratidão é: “s.f. sentimento de quem é grato; reconhecimento por benefícios recebidos: Tenho muita gratidão pelos meus professores.” Semelhante descrição Aurélio Buarque de Holanda nos dá. Pelo que se observa, em momento algum os grandes dicionaristas citaram a palavra contraprestação como sinônimo, tampouco recompensa, troca, permuta.
Curioso, não? Não é isso que, na maioria das vezes, temos em mente. Vemos a gratidão como sendo a disposição de alguém em ofertar algo em troca por alguma coisa que fizemos. Há sempre uma espera permeando aquilo que outrora fizemos e por isso nos sentimos aptos a constatar que houve ingratidão, e a propagar essa constatação, quando não recebemos prontamente uma contrapartida.
Gratidão não é isso. Gratidão tem um sentido mais puro, destituído de materialidade; está mais ligada a uma disposição interior espontânea, tanto de quem recebeu o benefício, quanto de quem ofertou: quem recebe poderá alimentar um sentimento sincero de reconhecimento e quem oferta terá a capacidade de identificar as proporções desse reconhecimento. Aquele que faz algo tendo por base interesses, sejam lá quais forem, não é merecedor da sincera gratidão e não possui autoridade para exigi-la ou para apontar alguém como ingrato. A ele apenas a recompensa nas mesmas dimensões do favor (sim, favor!) prestado.
Cometemos muitas confusões ao longo da nossa caminhada. Isso torna tudo mais complexo e atrapalha o tranquilo fluir, obrigando nossas paradas para correções. À medida que adquirirmos a capacidade de atribuir justa significação aos pontos próprios de nossa existência, passaremos a reconhecer o quão fácil é viver e aprenderemos a olhar mais frequentemente a existência pelo lado positivo. No fim de tudo, quem sabe, seremos gratos à vida, no melhor e mais puro sentido da palavra.

Um comentário:

  1. Excelente texto, Rivângela. As suas palavras, aqui, correm soltas. A videoteca, nesse embalo eu vou... tudo aqui, é muito bem congruente. Um abraço...

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